Desminagem de Moçambique terminou e é como se a
guerra terminassem de novo. Fico feliz com este artigo de João Manuel Rocha de
17/09/2015. O lugar de onde foram tiradas as últimas minas é a cidade do Dondo
onde eu trabalhei os 10 anos que estive em Moçambique.
Mais de duas décadas após fim da guerra civil, foi
oficialmente anunciado que o país está livre da ameaça das minas antipessoal.
Tomé Francisco já não tem de se
preocupar quando as crianças se aproximarem do viaduto, de se desdobrar em
recomendações à família, de estar preocupado quando lança a enxada à terra. As
áreas à volta das pontes e viadutos de Dondo, na província moçambicana de
Sofala, estão, finalmente, desminadas.
Agora essa preocupação acabou. O
Governo anunciou que o país já não
tem as minas que, ao longo de décadas,
causaram medo a quem sabia havê-las por perto “É com grande prazer que tenho o
privilégio de declarar Moçambique como um país livre da ameaça das minas
antipessoal”, disse, esta quinta-feira, em Maputo, o ministro dos Negócios
Estrangeiros, Oldemiro Balói, na presença de embaixadores e organizações
internacionais.
Muitas minas foram deixadas pelas
tropas portuguesas. Mas o recurso a essa arma escondida – são normalmente
enterradas a uns cinco centímetros de profundidade – continuou durante os 16
anos da guerra civil entre o Governo da Frelimo (Frente de Libertação de
Moçambique) e a guerrilha da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana)
que custou a vida a um milhão de pessoas.
A guerra acabou em 1992, mas o
problema ficou. Muitos morreram anos após a entrada em vigor da Convenção
internacional contra as minas antipessoal, em 1999, e décadas depois de terem
sido enterrados os engenhos que os vitimaram. Entre 2008 e 2011 morreram 23
pessoas, em 2013 perderam a vida 13.
Na memória de Tomé, agricultor, 76
anos, está bem vivo um caso de 2010. “Ouvi uma explosão e corri para lá”,
recordou. “Estava a chover, o homem estava a tentar atravessar o viaduto e
pisou uma mina. Ela atingiu uma das suas pernas mas ele ainda estava
consciente. Eu e um amigo levámo-lo para o hospital mas ele morreu.”
Antes do anúncio oficial desta
quinta-feira, foi, no final de Agosto,
detonada no Dondo, junto a uma ponte
ferroviária que atravessa o rio Pungue, a última mina cuja localização era
conhecida. Era uma Gyata-64, de fabrico húngaro. Foi esse “momento final”,
acompanhado pelo diário britânico, que permitiu a Moçambique anunciar agora o
fim da desminagem, do país. Mais de duas décadas após o fim da guerra civil.
Daquela zona, minada pelas forças do
Governo, a organização britânica
Halo Trust limpou cinco campos de minas que se
estendiam por uma área de 36 mil metros quadrados. Foram destruídas 314
engenhos explosivos.
A Halo Trust foi uma das principais
responsáveis pelo êxito do processo de desminagem de Moçambique: destruiu mais
de 171 mil minas e limpou para cima de 1100 campos minados, com um custo
estimado em 2012 de 285 milhões de dólares, lembrou o
Guardian. Seriam, ao câmbio atual, mais de 252 milhões de euros. A
organização perdeu também quatro colaboradores.
O Instituto Nacional de Desminagem
calcula que tenham sido removidas no total cerca de 300 mil minas, enterradas
na sua maior parte junto a caminhos-de-ferro, barragens, pontes e outras
infra-estruturas. Chegou a ser mencionado o número de um milhão, que se revelou
fantasioso.
Chegou a pensar-se, e essas eram as
perspectivas mais otimistas, que
a desminagem de Moçambique, iniciada em 1993,
demoraria pelo menos cinco décadas. Acabou mais depressa devido ao esforço
combinado das autoridades, de doadores, designadamente Estados Unidos e Reino
Unido, e de organizações internacionais.
Moçambique torna-se no primeiro dos
cinco países mais minados do mundo a chegar ao fim de uma tarefa imensa. Os
outros são Angola, Afeganistão, Cambodja e Sudão. O caso moçambicano dá
esperança a todos os que trabalham na desminagem, como reconheceu ao mesmo
jornal Calvin Ruysen, diretor regional da Halo para o Sul da África. “É o
primeiro país fortemente minado a chegar ao fim do processo. Mostra que com a
abordagem e os recursos certos pode chegar-se ao fim. É um exemplo para outros
países.”
Ainda que o momento seja de
satisfação, ninguém pode garantir que as minas tenham deixado de matar. Isso
porque não se vasculhou cada palmo de território, mas apenas os lugares
suspeitos. “Não seria realista afirmar que não voltará a haver acidentes
relacionados com minas ou outros engenhos explosivos”, reconheceu o ministro
Oldemiro Balói, citado pela AFP.
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