Estou na África! Missionária leiga de Laranjeiras do Sul esteve por dois meses em missão
Por dois meses, Elizete da Aparecida Toledo, de Laranjeiras do Sul, permaneceu na Guiné-Bissau em missão. Ao retornar, trouxe vivência e muita história para contar.
Desde que assumiu sem pontificado, no dia 13 de março de 2013, a busca do Papa Francisco por “Uma Igreja em Saída” tem sido verdadeiro mantra entre todos os povos, das mais diversas religiões, crenças, e idades em todo o mundo. Ir além das fronteiras, dos muros, muito além dos templos é o que inspira muitas pessoas que, embasadas nos ensinamentos do bispo de Roma, procuram levar a mensagem cristã nos mais distantes recônditos, desconsiderando totalmente a geografia e as dificuldades impostas pela sociedade, pela política e, principalmente pela falta de fé que tem o poder de tornar muitas ideias inertes, de matar os sonhos.
A Igreja, desde seu nascimento, sempre foi missionária e foi além das fronteiras, desbravando lugares e tornando a vida das pessoas melhores. Com a chegada do Papa Francisco, houve, sem dúvida alguma, uma injeção de ânimo e as missões passaram a ser a messe de muitas pessoas que, imbuídas de espírito humanitário e de valores cristão, deixaram tudo, como fez Pedro a pedido de Jesus Cristo e seguiram para os rincões onde homens, mulheres e crianças precisavam de sua ajuda, de seus valiosos trabalhos e lá, ajudaram na construção e manutenção da Igreja.
Elizete da Aparecida Toledo, 46 anos, pedagoga da Secretaria Estadual de Educação, enfermeira, moradora da cidade de Laranjeiras dos Sul. Uma pessoa que ama a família e os amigos e que apresenta estabilidade em sua vida profissional, familiar e social. Elizete podia muito bem se conformar com sua vida, como tantas pessoas o fazem, mas não. Há muito que, além de seus trabalhos profissionais, ela exerce uma das mais belas atividades, que é ser missionária.
Ligada aos Xaverianos, congregação que atua na paróquia Sant’Ana, em Laranjeiras do Sul, cidade esta onde Elizete mora, a missionária sempre teve na ajuda ao próximo um projeto de vida.
Depois de participar de inúmeras atividades junto à sua comunidade, Elizete sentiu que era hora de alçar novos voos, de conhecer novos lugares e povos e, com isso, levar a quem mais precisa a mensagem de Jesus Cristo, reforçada agora, pelo Papa Francisco com a ideia de “Uma Igreja em Saída”.
A missionária, através de seus contatos e também da vivência em sua paróquia e nas comunidades vizinhas, aprofundou seus conhecimentos sobre a Missão Brasileira na Guiné-Bissau, África, tido como um dos países mais pobre do mundo.
O Regional Sul 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que compreende a Igreja Católica no Estado do Paraná, mantém uma missão naquele país desde 2011. Na diocese de Bafatá, na cidade de Quebo, muitos trabalhos são desenvolvidos no sentido de reforçar a presença da Igreja em solo africano e também de amenizar os problemas das pessoas que lá vivem.
Depois de saber das dificuldades enfrentadas pelo povo daquela região, Elizete decidiu que precisava passar ao menos um período, mesmo que curto, junto àquela gente e auxiliar nos trabalhos dos missionários que lá atuam. Segundo ela, tal atitude não resolveria os problemas do lugar, mas podia ao menos amenizar a dor e a fome de algumas pessoas e contribuir para que os ensinamentos cristãos se mantivessem sempre vivos.
Depois de conversar com responsáveis pela Missão em Guiné-Bissau, Elizete pegou licença de seu trabalho e partiu para o país africano. Antes da viagem, a comunidade preparou uma celebração de envio, momento que a missionária considera de extrema importância e que lhe deu forças para seguir rumo ao desconhecido.
Depois de dois meses fora do país, Elizete retornou, no final do mês de setembro, trazendo muitas experiências de vida e história para contar.
O Centro Diocesano de Comunicação (CDC) da diocese de Guarapuava entrevistou a missionária e ela contou sua história que será relatada agora:
CDC –– Qual tua impressão ao chegar à África e, principalmente em Quebo, que é onde se situa a Missão?
Elizete –– Foi um misto de alegria, surpresa e ansiedade a chegada à África. Primeiro, por causa do voo, pois pelo excesso de chuvas e certa precariedade da pista de pouso, não era possível descer em Bissau. Então, fomos para a Gâmbia esperar o dia amanhecer e aguardar por melhores condições de pouso. Passada essa primeira ‘aventura’ e certa tensão veio o pensamento: Estou na África! Quase que não acreditava que depois de tanto tempo esperando por isso, estava em terras africanas. O dia estava nublado, chovia e o verde era de se perder de vista. Quanta ideia errada se constrói ao longo do tempo acerca das coisas! Ao mesmo tempo antes de ir, não procurei ver nada para não influenciar em minhas impressões, em qualquer um dos aspectos da Guiné-Bissau. Também pedi de maneira insistente para que Deus e Nossa Senhora me ajudassem a abrir meu coração para que eu aproveitasse esse tempo de vivência missionária como um tempo precioso da graça divina, indo ao encontro daqueles que são os preferidos de Jesus Cristo e ao mesmo tempo experimentando a Misericórdia Divina. Senti-me muito feliz por fazer a experiência de viver no Ano Santo da Misericórdia, experiências de misericórdia na minha vida. Eu, de fato, me senti acolhida por Deus em um abraço paterno e ao mesmo tempo foi possível ser presença de misericórdia em aspectos pequenos que nem eram percebidos.
Elizete com crianças na Guiné-Bissau - África |
CDC –– Houve dificuldade de adaptação nos primeiros dias?
Elizete –– A maior dificuldade de adaptação foi em relação ao calor. São temperaturas bem acima do que estamos acostumados no Brasil especialmente aqui no sul. Outro aspecto de adaptação foi o “bombear” água, pois exige força física e é um trabalho diário com o qual as crianças e mulheres guineenses já estão acostumadas. Também encontrei um pouco de dificuldade em trabalhar na horta, que é o equivalente às nossas lavouras e pomares. Eu não estava acostumada a estas atividades, mas com o passar dos dias, consegui superar. Ah! Também não posso deixar de relatar como dificuldade, a língua lá falada, o crioulo. Esta, oriunda de várias etnias, em torno de trinta. Dentre elas as mais comuns são os fulas e balantas.
CDC –– O que mais te impressionou nas pessoas do lugar?
Elizete –– Os seguintes aspectos me impressionaram muito: a contradição, alegria mesmo em meio às situações de pobreza extrema. Naqueles que são cristãos a profunda convicção de fé. A grande presença das crianças nas celebrações da palavra e nas missas. O apego à sua cultura tradicional. Impressionou-me o grande respeito que se tem entre os cristãos e muçulmanos, em grande parte favorecido pelo bispo Dom Pedro Zilli. Isto me levou a pensar que o diálogo inter-religioso preconizado pelo Papa Francisco é possível quando encontra o terreno fértil da boa vontade entre as partes bem como pessoas que ajudam a fomentar o diálogo. Também preciso destacar a situação da mulher que pela cultura, tem na gravidez uma forma de reconhecimento social para ser valorizada e respeitada, sendo até de algum modo, vergonhoso não ter filho até certa idade. Sem contar que os partos acontecem na maioria das vezes em casa. Elas são acompanhadas pelas parteiras tradicionais que fazem o possível, sem as mínimas condições de higiene necessárias. Aquelas que conseguem chegar a um hospital ou posto médico têm um pouco de sorte. Ocorrem muitas mortes das mães e crianças nessas condições. Ainda outro destaque é o fato da criança precisar nascer perfeita e com saúde, caso contrário terá outro destino. Também me marcou muito ver a vida precária das crianças, comendo na maioria das vezes uma única refeição por dia, cujo alimento principal é o arroz.
CDC – A pobreza é tão grande quanto falam por aqui?
Elizete –– A pobreza é grande, a precariedade dos serviços básicos como da saúde e educação são gritantes. As necessidades básicas de alimento, água são insuficientes para que tenham saúde, tanto que a expectativa de vida gira em torno de 40 a 45 anos. A pobreza é acentuada pela falta de apoio governamental. Não existe produção de alimentos em larga escala por condições climáticas adversas, pois chove quatro meses e os outros oito meses são de seca com temperaturas entre 30 e 44 graus. Os alimentos disponíveis são poucos. Alguma coisa é produzida em pequenos espaços chamados hortas. Esta produção não mantém as famílias nem por quatro meses. Muitos ainda precisam vender o que colhem para suprir outras necessidades.
CDC –– Você chegou a perceber algum empenho do governo daquele país, seja local ou em nível nacional para mudar a situação das pessoas?
Elizete –– Há iniciativas, porém pela instabilidade política são morosas e como em todos os países afetados por guerras e deposição de governos, as coisas demoram sempre mais. O que tem ajudado muito aquelas pessoas é a presença da Igreja Católica que aos poucos vai introduzindo formas de valorização da vida, quando assume a saúde cuidando da criança, da gestante, nos hospitais e casa das mães. Na educação assumem a escolarização desde a educação infantil até o final dos estudos. Os missionários também cuidam de crianças em orfanatos.
CDC –– Como profissional de saúde que você é, além de educadora, qual tua percepção nesta área (da saúde)? E na educação de Quebo, o que precisa mudar?
Elizete –– Os bispos lusófonos, dentre eles Dom Pedro Zilli, têm continuamente manifestado grande preocupação pela situação social, política e econômica que traz consigo sérias consequências para a vida das pessoas, bem como famílias e diferentes instituições. São muitos passos que precisam ser dados para que a saúde tenha uma melhora significativa nas estruturas físicas e de atendimento. A presença missionária católica tem ajudado muito a população guineense. De modo especial, os casos de malária entre as crianças me chocaram muito, pois são as mais frágeis e o número de mortes é alto. Também são preocupantes os casos de HIV/AIDS e suas consequências, uma delas a tuberculose. No período em que lá estive, foram seis óbitos de crianças, a maioria delas por malária e desnutrição e cinco óbitos de mulheres grávidas com complicações no parto ou pós-parto. No aspecto da educação, faz pouco tempo que passou a ser obrigatório o 12º ano (o equivalente ao Ensino Médio no Brasil), para que o jovem possa dar prosseguimento a seus estudos na universidade. Ocorrem muitos casos de saída dos jovens de Quebo que vão para a capital Bissau, em busca de estudos e melhores condições de vida. Um fato é que eles não retornam mais para as pequenas comunidades/cidades, chamadas de Tabancas, pois não encontram trabalho e oportunidade de se manterem e às suas famílias.
CDC –– Em que a Missão foi benéfica para tua vida? Em que ela te prejudicou?
Elizete –– Como Leiga Missionária Xaveriana, fiz uma vivência breve de dois meses, porém foi suficiente para olhar para a nossa realidade de tornar a Igreja mais missionária, mais presente, mais ousada e mais preocupada com o anúncio do Evangelho através do testemunho em nossa comunidade, paróquia, diocese, no mundo inteiro. Eu tenho que ser mais missionária, me colocar mais a serviço. Os benefícios colhidos da vivência missionária em Quebo, na Missão Católica Beato Paulo VI, serão levados para a eternidade. Foram tantos, dentre eles a constatação de que fazemos pouco pela missão, somos muito acomodados, não olhamos para os lados das nossas diferentes realidades. Estamos condicionados às participações dominicais à Santa Missa e olhe lá. Nunca temos tempo para uma visita, para uma palavra amiga, para escutar nossos vizinhos e seus problemas (na maioria das vezes não conhecemos nossos vizinhos). O testemunho dos primeiros cristãos que lá estão, me marcaram muito e a presença das crianças nas celebrações. O sofrimento do povo no hospital e a situação da mulher me fizeram sofrer muito, pois são situações que só podem ser mudadas ao longo da história. A vivência missionária foi extremamente benéfica para mim em se tratando do sentido humano, espiritual, material e social.
CDC –– A partir do teu retorno, qual a reflexão que você faz dos dois meses em que esteve fora?
Elizete –– Que a vida é muito mais que os apegos materiais e que deve ser vivida de modo intenso. Que temos limites e a partir do conhecimento desses limites, fica mais fácil conviver com eles. Que temos potencialidades e que nunca devemos deixar que nos condicionem. Que não valorizamos o que temos em nosso país. Reclamamos demais. Vivemos com muito mais do que precisamos.
CDC –– Voltaria para outros trabalhos na Guiné Bissau? Por quanto tempo?
Elizete –– Tendo oportunidade, eu voltaria sim e pelo tempo que fosse necessário. Porém, não mais que três anos. No entanto, antes de voltar para a África, quero continuar a fazer a vivência missionária aqui no Brasil, na Amazônia por exemplo.
CDC –– Depois desta experiência, como você vê o Brasil, teu Estado, tua Cidade? Houve alguma alteração nesta percepção?
Elizete –– Acentuou minha percepção do cuidado que temos que ter com a nossa Casa Comum, a Terra, a Natureza. Nosso país é de certa forma, rico em recursos naturais e pode atender a toda sua população. Porém, a distribuição da renda é muito desigual e consumimos mais do que necessitamos para viver. Isto me fez pensar que todos nós podemos fazer algo pelo próximo. Podemos ajudar, podemos ser melhores com isso, pois fazendo o bem nos tornamos cada vez mais próximos do projeto de Deus que nos quer felizes e realizados em nossa missão.
CDC –– Tem algum agradecimento que queira fazer para finalizar?
Elizete –– Gostaria de agradecer primeiramente a Deus pela oportunidade de fazer esta vivência missionária e às muitas pessoas que ajudaram a concretizar este sonho, que era o de ser missionária na África, mesmo que por pouco tempo. Consegui me sentir em missão e não a missionária. Em todos os momentos, me sentia fortalecida pelas orações de todos. Não foi uma missão isolada, mas de cada um dos envolvidos. A Paróquia Sant´Ana, Leigos Missionários Xaverianos de Laranjeiras e do Regional Sul 2, o Apostolado da Oração, a comunidade que participo, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, o Conselho Missionário Regional (COMIRE), a diocese de Guarapuava, minha família que fez comigo essa vivência, enfim, foram presença espiritual, física e material em minha vida. Agradeço imensamente ao diácono Pedro Avelino Lang e à sua esposa, Salete Lang, pela acolhida, disponibilidade em partilhar a missão. Eles se tornaram uma referência de abnegação, dedicação e amor. Muito obrigado. Deixo como mensagem meu sincero agradecimento a todos que ajudaram para esta vivência missionária e o desejo de que todos assumam efetivamente a vida cristã especialmente na missão.
Por Jossan Karsten – Guarapuava
Fotos: Arquivo pessoal Elizete da Aparecida Toledo
Fonte: CNBB é CDC-Centro Diocesano de Comunicação da Diocese de Guarapuava - Regional Sul 2