quarta-feira, 2 de maio de 2012

MISSÃO XAVERIANA NA REPÚBLICA DO BURUNDI

 Capital: Bujumbura
Superfície: 27.834 km2 (do tamanho de Alagoas)
População: 6,5 milhões de habitantes
Línguas: francês e quirundi (oficiais), suaíle
Expectativa de vida: 44 anos
Adultos alfabetizados: 48,1%
Renda per capita: 140 dólares por ano
Religiões: cristianismo 78,9%; islamismo 1,6%; religiões tradicionais 0,3%; sem filiação 18,6%; outras 0,6%





O Burundi é uma terra ensopada de sangue. Desde o século 15 vive um conflito étnico, político e econômico entre os povos hutu e tutsi. Os primeiros são agricultores, descendentes dos bantu. Os segundos são guerreiros do norte, tradicionalmente criadores de gado. Os tutsi ocuparam essas terras dominando os hutu. Houve vários genocídios, que causaram milhares de vítimas, tanto de uma como de outra etnia. Mais tarde, o colonialismo das potências européias sempre apoiou o domínio dos tutsi, acirrando ainda mais o confronto, depauperando de vez a nação. E mesmo com a independência em 1962, o Burundi continuou sendo o palco de violentos combates com centenas de milhares de mortos e refugiados. Com altas taxas de densidade demográfica, o país detém hoje o terceiro menor Índice de Desenvolvimento Humano do mundo. 

























A extrema pobreza levou, em 1993, a uma das piores matanças étnicas jamais acontecidas, quando os militares tutsi assassinaram o primeiro presidente eleitodemocraticamente, o hutu Melchior Ndadaye. A revolta popular da etnia hutu, que constitui 85% da população do Burundi, deu origem a uma guerra civil que dura até hoje, na qual morreram mais de 300 mil pessoas, com mais de um milhão de refugiados. Desde 1960, os xaverianos trabalham no Burundi, distinguindo-se pela atividade apostólica desenvolvida em equipes formadas por missionários, religiosas e leigos, na organização de obras sociais e na constante busca de uma pastoral inserida na cultura local. O trabalho pastoral, exercido também nas colinas (antes atuava-se apenas nos centros das missões), os freqüentes contatos pessoais, as organizações cristãs em todos os níveis sociais, as inúmeras obras de assistência aos necessitados, tiveram como fruto um crescimento surpreendente das comunidades cristãs.

Todavia, com o golpe de Estado de 1976, a Igreja católica começou a sofrer perseguição por parte do Estado:

- culto e celebrações controlados, senão interditados, e muitos missionários foram expulsos do país. Somente no final dos anos 80, puderam retornar e reiniciar a atividade de evangelização. Na capital Bujumbura, os xaverianos abriram um centro de formação para jovens, para participar, junto a toda igreja do Burundi, de uma paciente tarefa de reconciliação entre os povos tutsi e hutu. Essa reconciliação custou caro. O sangue derramado pelos nossos três missionários está a testemunhar este fato. Eles sabiam de massacres, chacinas e desmandos por parte dos militares tutsi, protegidos por um regime de impunidade e terror. Sentiam que não podiam calar. Denunciaram os culpados através de relatórios minuciosos. Nunca foram perdoados por isso.

Durante meses, os militares tramaram a vingança, até que essa foi consumada em setembro de 1995. Poucos dias antes da chacina, uma mulher teria avisado pe. Ottorino que alguns notáveis da região tinham pago os militares para matá-los. Mas o padre respondeu tranqüilamente que eles tinham decidido ficar com o povo a qualquer custo. “Os nomes dos nossos três mártires – comenta Pe. Modesto Todeschi, missionário no Burundi há 40 anos – estão na multidão dos mártires inocentes, mais de 300.000 só em Burundi nestes dez anos de guerra. Nós, missionários, somos parte desta história, desta Igreja, deste país e desta tragédia. Os nossos três irmãos são também irmãos do povo do Burundi e deram o próprio sangue por causa do evangelho da caridade”.




Os túmulos dos missionários

A chacina de Buyengero mistura-se com o trágico cenário da guerra nesse país. A paz demorou a vingar. Desde o assassinato dos três missionários, houve um novo golpe de estado, os massacres continuaram, vários outros missionários, presbíteros e cristãos foram mortos por denunciarem os fatos, frutos do ódio étnico exacerbado pela situação social. Em dezembro de 2003, até o núncio apostólico dom Michael Aidan Courtney, representante do papa no Burundi, perdeu a vida num atentado considerado muito “estranho”. O círculo da violência parecia mesmo não ter fim. Contudo, a esperança sempre abre brechas na história. O sangue dos mártires é semente de futuro, mesmo se esse futuro é como uma floresta silenciosa que cresce, apesar do tombo barulhento das árvores decepadas.

Em agosto de 2000, os acordos de paz de Arusha, na Tanzânia, abriram o caminho para a reconstituição democrática do Burundi e o fim da guerra. O parto foi sofrido, os prazos dos acordos sempre adiados, ainda novos casos de massacres causaram medo e insegurança. Enfim, em fevereiro de 2005, o plebiscito. O povo adere em massa e vota a nova Constituição com 91% das preferências. Os refugiados começam a voltar ao país. No dia 19 de agosto, é eleito o novo presidente Pierre Nkurunziza, ex-guerrilheiro de etnia hutu. O povo, vencido pelo cansaço da guerra e desiludido por inúmeras promessas, se não estiver muito a fim de pular de alegria, pelo menos respira tímidos ares de paz, vontade de retomar a vida, erguer a cabeça e olhar para frente.

FRUTOS DO SUOR E SANGUE DERRAMADOS

Essas conquistas são frutos de muita paixão, de muito suor e de muito sangue derramado. Para os missionários, a solidariedade com os povos vítimas do ódio e da violência é uma exigência do Evangelho. “Vivemos concretamente, dia após dia, uma comunhão de vida e de destino com os irmãos a quem somos enviados: aliviar os sofrimentos, procurar e distribuir ajuda, infundir esperança, anunciar que ainda é possível a reconciliação, o perdão, a convivência. Tudo isso faz parte da nossa vocação missionária”. O amor a Cristo e aos irmãos motivou suas opções que os qualifica como mártires. Entre o povo de Buyengero e esses missionários existia uma sintonia fora do comum.

Foram escolhidos pelos seus assassinos não porque eram inimigos, mas porque eram gente pacífica, construtores de novas relações, amigos da paz. Foram executados por serem membros de um grupo que defendia os mais perseguidos, testemunhas incômodas das injustiças praticadas insistentemente. No dia do enterro, os xaverianos não tiveram nenhuma hesitação. Seus irmãos mortos queriam ficar no Burundi até o fim, e ali foram sepultados: no lugar da chacina. Nos túmulos, uma escrita: “Bem aventurados os construtores da paz”. Uma provocação e uma promessa: perdão e paz, com efeito, são a herança e a semente que eles deixaram.

FONTE: Revista MISSÕES

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